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Resumo

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Plágio, cópia, imitação: uma reflexão cada vez mais indispensável

A matéria “Ética editorial: as arbitragens fraudulentas” 1 de Ernesto Spinak, divulgada no blog SciELO em Perpectiva, em 20 de fevereiro de 2015, alerta para a quantidade cada vez maior de problemas relacionados a plágio, mencionando as novas formas de enganar os controles automatizados, os quais têm pouca ou nenhuma capacidade de avaliar o conteúdo dos artigos 2,3. Segundo o texto, para superar a conferência sistematizada dos programas de controle, é suficiente usar um procedimento quase artesanal:

1. Pegue o texto de seu artigo e proceda ao controle de plágio com um dos programas clássicos (iThenticate, Turnitin, Urkund, ou qualquer outro).

2. O resultado será um documento com uma série de observações nas partes de seu texto reconhecidas como plágio.

2.1. Modifique os parágrafos marcados como suspeitos, alterando a ordem das frases, fazendo paráfrases ou usando sinônimos;

2.2. Outro procedimento é traduzir o texto a outro idioma usando o Google e retornando a tradução. Por exemplo, escreva em inglês, traduza ao português, depois ao espanhol, e finalmente retorne ao inglês.

3. Volte à etapa (1) até que o texto retorne sem observações.

4. Se não houver observações, então seu texto não será considerado plágio pelos programas de controle 1.

Como pontuado acima, tal processo consiste em verificar o que, exatamente, os programas identificam como plágio e adotar medidas para adulterar a cópia. Providência simples para obter esse efeito é traduzir o trabalho diversas vezes, em diferentes idiomas, para descaracterizar as expressões do autor, afastando cada versão mais e mais do original. O uso de ferramentas de tradução automáticas facilita enormemente essa tarefa, que, de outro modo, exigiria aporte intelectual grandioso daquele que se dispusesse a realizar sucessivas versões para diferentes idiomas.

Essa técnica, facilitada pelas ferramentas de livre acesso na web, remete ao uso adulterado da tradução, praticado há décadas, que decorre da dificuldade do leitor comum em cotejar o original em um idioma e a cópia traduzida em outro. Embora muito praticado, tal expediente permanecia encoberto antes do advento da internet, quando não havia programas de tradução instantânea para 90 idiomas nem milhões de trabalhos disponíveis para consulta. O que se vem constatando com o uso maciço da rede é que em todas as áreas do conhecimento há autores que utilizam o artifício da tradução para “criar” seus artigos científicos ou capítulos de livro.

O artigo de Spinak salienta também que, caso a tradução não seja suficiente para descaracterizar a cópia por programas de identificação de plágio, os pretensos autores costumam refazer frases, alterando sua ordem, além de apelar para o uso de sinônimos dos termos mais marcantes. O que Spinak não diz, mas a experiência editorial mostra, é que, se nem essa providência conseguir eliminar a identificação de plágio, os plagiadores optam, em última instância, por citar o original plagiado, estabelecendo um tipo de pastiche literário 3,4, que dificulta a identificação da cópia pelo fato desta citar o original. Tal manobra tende a confundir o leitor, pois permite pressupor que é até “natural” que dois “autores” usem termos em comum e linguagem similar para descrever o mesmo assunto.

Embora a questão do plágio possa ser remetida à Antiguidade 3, há estudiosos que acreditam que a prática esteja em crescimento na atualidade, o que intensifica a preocupação da comunidade acadêmica: verificação de plágio conduzida sobre 285 mil textos científicos (…) recuperou mais de 500 documentos que muito provavelmente foram plagiados, além de outros 30.000 documentos (20% da coleção) que tinham fortes indícios de excessivo autoplágio 5. Apesar desses números assombrosos, acreditamos que não se pode afiançar que a prática do plágio esteja realmente crescendo.

O que se pode afirmar com certeza é que, antes da internet, era difícil identificar cópias, tanto plágio quanto autoplágio. Aliás, até recentemente a ideia de autoplágio sequer existia. Em geral, um autor considerava aquilo que havia escrito como “sua produção”, à qual poderia recorrer, se lhe aprouvesse, mesmo que para reproduzir trechos inteiros. No Brasil, antes que a questão do plágio acadêmico começasse a ser de fato identificada e discutida, autores chegavam a se sentir ofendidos quando lhes era apontada a reprodução dos mesmos trechos em vários de seus trabalhos. Foi necessário que se instaurasse, nas últimas décadas, uma mudança cultural em relação à produção científica para que as questões do plágio e do autoplágio passassem a ser efetivamente combatidas 6.

Até então, como só era possível encontrar similitudes por meio de levantamento sistemático da literatura, geralmente realizado de forma manual e apenas em trabalhos acadêmicos de revisão de literatura na pós-graduação, a identificação de plágio não era tão frequente, restringindo-se a casos indiscutivelmente gritantes. Os levantamentos da literatura eram sistematizados apenas por fichamento dos trabalhos lidos, o que acabava constituindo obstáculo para perceber o plágio, dada a maior dificuldade de obter e cotejar os originais. O fato de não existir tradução online também dificultava a identificação, porque a compreensão dos originais era condicionada ao léxico de cada leitor. Por isso, era muito mais complexo verificar a cópia de conteúdos, o que facilitava sobremaneira a ação inescrupulosa daqueles que queriam se aproveitar da produção alheia.

O surgimento da internet, entretanto, alterou drasticamente essa situação. Desde que a rede passou a disponibilizar material jornalístico e acadêmico, qualquer um que se dedicasse à verificação sistemática do plágio conseguiria levantar no Google trechos de trabalhos copiados. Mesmo sem utilizar qualquer programa de detecção, era possível constatar as apropriações indevidas de outrem e as reproduções similares de um mesmo autor.

No primeiro caso, o plágio passou a ser facilmente percebido pela alternância de trechos bem escritos com outros muito discrepantes, assim como pelo uso errado de elementos de conexão entre as frases, que mostravam ao leitor atento que algo não “soava bem” naquele trabalho. No segundo, ficou fácil identificar o autoplágio empreendendo-se pesquisa por frases e palavras, que, algumas vezes, apontava a existência de mais de um trabalho de um autor utilizando as mesmas ideias e vocabulário, sem qualquer menção à versão anterior.

Atualmente, entretanto, a identificação já não é tão simples. Aqueles que procuram enganar seus pares, bem como a comunidade acadêmica, aperfeiçoaram o processo de obtenção de material para compor os trabalhos que apresentam como seus, como se observa na descrição das etapas para aperfeiçoar a fraude por plágio 1. Ao final do texto, Spinak reproduz indagação de outros autores sobre a vantagem de copiar, perguntando-se se escrever um artigo inédito não daria menos trabalho do que utilizar tantos subterfúgios e artifícios para copiar a ideias dos outros (e ainda sem correr o risco de ser penalizado por isso).

Apesar de não pretender neste editorial dar resposta conclusiva à questão, cabe considerar que esses procedimentos podem ser executados por qualquer pessoa que domine minimamente o manejo dos programas de tradução online e de identificação de plágio. Alguém que, por qualquer razão, não sinta que tem capacidade ou tempo para escrever um artigo pode delegar parte substancial das tarefas de “produção” de trabalhos acadêmicos, especificamente a tradução, a identificação e alteração da cópia. Assim, à constatada existência de mercado cada vez mais robusto e inescrupuloso de compra e venda de trabalhos se soma a suposição de que, algumas vezes, pessoas que atuam em funções subordinadas aos autores que praticam plágio também são cooptadas para a realização dessas tarefas. É possível imaginar ainda que muitas delas sequer suspeitam do que de fato estão fazendo ao cumprir as orientações para realizar esses encargos.

Verifica-se que o plágio vem sendo cada vez mais identificado e classificado como procedimento fraudulento que ofende a ética da autoria e burla as regras da produção acadêmica. A prática tem se reproduzido na ciência eviden­ciando-se, em artigos, capítulos de livros, parágrafos e frases em trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses. A denúncia do plágio, parafraseado ou por cópia de conteúdo, ainda não é usual em nosso país, o que aumenta a importância das publicações científicas e, ao mesmo tempo, solapa a relevância de trabalhos acadêmicos (monografias, dissertação ou tese) em que a identificação do plágio pode esbarrar no prestígio do autor, de seus orientadores e, até mesmo, da instituição. Nos desvãos não suficientemente saneados das universidades ainda imperam a lei do mais forte e o pacto de silêncio, o que repercute diretamente na decisão de reagir daquele que é plagiado.

Frente a esse quadro, a tarefa das publicações científicas – como a Revista Bioética – é clara: informar sobre o plágio, coibi-lo e evidenciar nitidamente os casos suspeitos, dedicando-se a estimular a reflexão e a educar a comunidade acadêmica para a ética na produção do conhecimento. Informamos a nossos leitores e colaboradores que exatamente por isso estamos adotando um segundo mecanismo de identificação de plágio, o qual, esperamos, somado àquele atualmente utilizado, possa diminuir consideravelmente a chance de publicar trabalhos plagiados. Mas estamos conscientes, mesmo com esses cuidados, há possibilidade de algo escapar a nossa atenção. Nesse sentido, exortamos mais uma vez nosso corpo editorial e colaboradores ad hoc a prosseguir com seu trabalho criterioso de avaliação de manuscritos, que tem sido essencial para aprimorar a qualidade dos trabalhos publicados e, especialmente, fundamentar a reflexão ética em nosso país.

 

Os editores

 

 

 

Referências

1.     Spinak E. Ética editorial: as arbitragens fraudulentas. [Internet]. 20 fev 2015 [acesso 12 mar 2015]. Disponível: http://blog.scielo.org/blog/2015/02/20/etica-editorial-as-arbitragens-fraudulentas/#.VO23M_nF-Y1

2.     Porto D. Publicação em bioética na América Latina: impasses e desafios. Revista Bioethikos. 2013;7(4):442-7.

3.     Diniz D, Terra A. Plágio: palavras escondidas. Brasília/Rio de Janeiro: Letras Livres/Fiocruz; 2014.

4.     Diniz D, Munhoz ATM. Cópia e pastiche: plágio na comunicação científica. Argumentum. 2011 jan-jun;3(3):11-28. Disponível: http://periodicos.ufes.br/argumentum/article/view/1430/1161

5.     Spinak E. Ética editorial: como detectar o plágio por meios automatizados. [Internet]. 12 fev  2014 [acesso 12 mar 2015]. Disponível: http://blog.scielo.org/blog/2014/02/12/etica-editorial-como-detectar-o-plagio-por-meios-automatizados/#.VPR9rfnF-Y0

6.                   Vasconcelos SMR. O plágio na comunidade científica: questões culturais e linguísticas. Ciência e Cultura. [Internet] jul-set 2007;59(3). Disponível: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252007000300002&script=sci_arttext

Palavras-chave:

Plagiarism, copying, imitation.

Como Citar

1.
Editorial. Rev. bioét.(Impr.). [Internet]. 23º de março de 2015 [citado 21º de dezembro de 2024];23(1). Disponível em: https://revistabioetica.cfm.org.br/revista_bioetica/article/view/980