SIMPÓSIO: Eutanásia


APRESENTAÇÃO

Entre os temas polêmicos da ética ligada ao final da vida humana, constantemente alardeados pela mídia e que hoje exigem estudos e discussões respeitosas frente a uma realidade tão singularmente pluralista, especialmente por parte dos profissionais da saúde, encontra-se a eutanásia. Dizem os estudiosos da área que assim como a questão do aborto foi apaixonadamente discutida na segunda metade do século XX, a eutanásia será a grande questão da primeira metade do século XXI.

Fazemos uma constatação na discussão da questão da eutanásia: difícil permanecer indiferente, não se envolver emocionalmente, o que por vezes turva a discussão racional, ficando-se no nível superficial do pró ou contra, sem aprofundar os argumentos de fundo da questão. E mais: o que entender por eutanásia frente à pluralidade conceitual hoje reinante?

Este simpósio sobre eutanásia, busca justamente ser uma introdução neste cenário, tenta aprofundar as várias vertentes da argumentação ética. Parte de uma visão global sobre os problemas éticos da morte e do morrer (Márcio Palis Horta), introduz a delicada questão do tratamento fútil (Joaquim Antonio César Mota). Quanto à discussão da questão eutanásia especificamente são analisados: os argumentos éticos (Hubert Lepargneur); eutanásia e sua relação com o princípio de justiça (Alastair Campbell);decisões médicas envolvendo o final da vida e propostas para a realidade brasileira (Délio Kipper); o enfoque ético-médico (Genival Veloso de França); o pensamento das grandes religiões mundiais (Léo Pessini); situação frente a lei na Dinamarca (Soren Holm), apresentação da primeira obra de cunho filosófico sobre eutanásia no Brasil, de 1937 (Júlio Cézar Meirelles Gomes); aspectos jurídicos brasileiros (Raquel Ferreira Dodge) e a lei penal uruguaia (Hugo Rodriguez).

A questão na verdade foi apenas introduzida. Não podemos deixar de mencionar que para avançar mais é preciso saber mais a respeito de políticas públicas em relação à eutanásia, aprofundando o conhecimento sobre o que acontece hoje na Holanda, nos EUA, na Austrália e Colômbia. É claro que isso é assunto para outro simpósio. Não menos urgente é como pensar a eutanásia em termos de continente latino-americano. Aqui não resistimos em deixar uma provocação final ao leitor. Na realidade latino-americana, a todo momento nos defrontamos com o descaso pelo vida, tão provisória quanto precária. É a morte assassina, precoce e injusta, não de somente alguns no âmbito médico-hospitalar, mas de milhões na comunidade. Podemos chamar esta situação de mistanásia (do grego mys= infeliz). O desafio ético é ver a questão da dignidade no adeus à vida levando em conta a dimensão social, do problema; considerar não apenas a morte biológica, mas a morte social do indivíduo, a morte coletiva, lenta, gradual e injusta.

Há sim, com certeza, o sensacionalismo dos meios de comunicação, alardeando casos isolados com fortes apelos sentimentais a ponto de banalizar o problema anunciando o direito de todo ser humano a uma morte feliz, sem sofrimento. Perguntamo-nos qual o significado de tudo isto diante da morte violenta por acidentes, por agressões e falta de condições mínimas de vida digna em nossa sociedade? Existe muito o que fazer no sentido de levar a sociedade a compreender que morrer com dignidade é uma conseqüência de viver dignamente e não meramente uma sobrevivência sofrida. Se não há condições de vida digna, como garantir uma morte digna? Antes de garantir ao ser humano o direito à morte sem sofrimento, caso inexorável, há que ressaltar o direito da vida existente no sentido de desabrochar plenamente, como uma flor no campo e de ser conservada e preservada. É chocante e até irônico por vezes constatar situações em que a mesma sociedade que nega o pão para o ser humano viver, lhe oferece a mais alta tecnologia para "bem morrer"!

Léo Pessini
Júlio Cezar Meirellles Gomes

Editores convidados